A HORA SANTA COM A DESOLADA
ou UMA HORA DE AMOR À DESOLADA
INTRODUÇÃO
“Ó vós todos que passais por esta via do sofrimento, vedes se existe dor igual à minha dor”[1].
Ó Virgem Desolada, conformado aos sentimentos de Vossa heroica fortaleza, eu venho a Vós, que, firme e constante, por três longas horas contínuas haveis assistido ao Vosso Filho Divino pendurado na Cruz e agonizante, mergulhado no mais cruel martírio... Vós vistes o Anjo da morte aproximar-se vagarosamente a Jesus agonizante e, com a espada, separar a Sua Alma dulcíssima de Seu Corpo puríssimo — quase um lírio cândido arrancado de Seu caule — e vistes o Vosso Jesus curvar-se suavemente e languescer no sono mortal... enquanto o soldado, com a sua lança cruel, rasgava profundamente o peito adorado, e destilava de Seu Coração as últimas gotas de Seu preciosíssimo Sangue, misturadas à água.
Ó dor incompreensível de minha doce Mãe! Com boa razão repetis mais uma vez as tristes expressões do Profeta, nas encostas sangrentas do Gólgota: “Ó vós todos que passais por esta via do sofrimento, vedes se existe dor igual à minha dor”[2] .
Ó Divina Desolada, subo (ao Gólgota), abismado e confiante, junto com os discípulos do Vosso Jesus, José e Nicodemos, que cumpriram o piedoso ofício de assistir e honrar, com os seus obséquios, o Vosso Filho morto, e de suavizar um pouco a Vossa imensa dor. Uno-me, ainda, ao Piedoso João, que agora se tornou Vosso filho adotivo, como eu também o sou, por disposição testamentária de amor do Vosso Jesus, pendente da Cruz... Associo-me, ainda, à fervorosa Madalena, há pouco banhada e purificada pelo Sangue de Jesus; e às santas mulheres que Vos trouxeram alívio e conforto em Vossa extrema desolação.
Ó doce Mãe, acolhei amorosamente as minhas lágrimas de amor que se derramam junto com as Vossas, amargurosíssimas: “fac me tecum pie fiere — fazei com que piedosamente chore con’Vosco”[3] . Sim, quero devotamente chorar con’Vosco a morte cruel do Vosso Jesus. Acolhei, também, os meus ardente afetos... as minhas pobres expressões... Quero consolar-Vos, ó querida Mamãe... suavizar a Vossa piedosa angustia... e pronunciar con’Vosco, no triste silêncio do coração, o resignado “Fiat”.
AFETOS E PRECES
Ó Virgem toda santa, que fostes a mais ditosa e a mais martirizada de todas as mães, permitais que me associe, com o coração, a todas as tristezas, aos Vossos maternos padecimentos... Tomem parte todos os outros às Vossas alegrias, mas, para mim, doce Mãe minha, prefiro ser o Vosso favorito, nas acerbas dores que dilaceram o Vosso nobre Coração; e ter o privilégio de participar de Vossos padecimentos, de Vos enxugar as lágrimas, de sofrer con’Vosco e com Jesus, e, seguindo os Vossos passos, ascender o santo monte Calvário.
Ah! Prossigamos, almas piedosas, cerquemos a nossa Mãe, e não A deixemos subir sozinha a encosta do monte da mirra! Ela vai sofrer por nós. Oh! Vamos sofrer nós também por Ela! Vinde, ó filhos benditos das dores de Maria, onde está a Mãe também devem estar os filhos. Por piedade! Não permitais, ó querida Mãe, que as lágrimas de Jesus e as Vossas se percam para os remidos do Calvário, nem que reste infrutuoso ao Vosso sacrifício por nós; mas obtende-nos que, com a Vossa constância, com o Vosso amor, nós saibamos aplicar-nos os méritos... e todos os corações que Vos bendizem e choram con’Vosco na terra sejam tornados dignos, pela virtude das Vossas dores, de deleitar-Vos com Jesus e de abençoar-Vos para sempre no Céu. Assim seja.
ESTAÇÃO I
MARIA SANTÍSSIMA VÊ ENCERRAR JESUS NO SEPULCRO
Deposto Jesus da Cruz, os piedosos discípulos deitam sobre o colo da Mãe o inerme Corpo do Mestre... E, oh!, cena comovente e excruciante, que apenas os Anjos podem descrever. Ó divina Desolada! Qual não foi a Vossa dor ao ver, entre os vossos braços, o amado Jesus, que, quando Menino, neles fazia os seus sonos de amor... e, agora, coberto pelo palor mortal, é um frio corpo sem vida! É todo uma chaga só, dilacerado no peito, banhado de Sangue. A sua loira cabeleira e a barba arrancadas. Não Se reconhece mais...
Que espetáculo de dor!... enquanto recordais os opróbrios e os tormentos do Vosso dileto Filho. Ó doce Mãe, a Igreja, ao ver-Vos em tanta tristeza, Vos dirige aquelas inefáveis palavras: “A quem te compararei, a quem te semelharei, Filha de Sião? É imensa como o mar a Tua dor”[6].
Ó Santa Mãe, ora convém dar sepultura ao Vosso Jesus, visto que as trevas começam a encobrir a Terra, e a envolver em seu ventre o horror daquele dia. — Os discípulos se preparam para embalsamar o divino Corpo sem vida e a conduzi-lo ao Sepulcro. Os Anjos, alinhados em fileiras, com as asas abatidas, com o rosto velado, fazem um cortejo ao Rei do Céu, que passa, inerte e sem vida... Seguem o triste comboio as piedosas mulheres, a Madalena e, por último, a Mãe de Jesus, desolada e traspassada em Sua Alma.
Chegando ao local, encerram Jesus no Sepulcro, e Maria O abençoa mais uma vez e O cobre de cálidos beijos, expressão infinita de amor, e depõe junto com Ele, no túmulo, o Seu Coração traspassado.
Descanse, descanse, ó branca Flor, tão cedo ceifada. O Eterno Pai, ceifando-Vos, Vos coroou Rei dos Mártires... Oh! Quanto é grande, através da tumba, a Vossa glória...
Ó Mãe Desolada, a palavra me morre nos lábios, e caio aos Vosso pés, e derramo con’Vosco os gemidos do meu coração... e repito: “Fiat”! “Fiat”!
